11/06/2013

FELICIDADE AINDA QUE TARDIA

Busque a felicidade acima de tudo


Todo mundo quer jogar a responsabilidade nos seus ombros, pregando que ser feliz é uma conquista que só depende de você. Alguns até tentam ensinar um passo a passo infalível. Mas, segundo pesquisas recentes, é mais fácil alcançar a tal felicidade desencanando de buscá-la...

por Ana Carolina Prado
A receita para tudo é ser feliz: para deixar de ficar tão doente, para o trabalho render, para ter sucesso nos relacionamentos. Estudos já mostraram que pessoas felizes são menos vulneráveis a gripes, têm mais chance de se formar na faculdade, de manter o emprego - e até de conseguir uma recolocação mais rápida em caso de demissão. Por isso, se tem uma coisa que você precisa tratar de garantir na vida, acima de qualquer outra, é ser feliz, certo? Errado.



A busca da felicidade é natural ao ser humano e pode ser o principal motor que nos move - e, mais precisamente, um dos nossos grandes diferenciais evolutivos. É assunto para mais de dois mil anos de filosofia, pano para manga em estudos nas searas da psicologia às ciências sociais e, mais recentemente, de descobertas da neurociência. Mas a felicidade é também o centro de um paradoxo: ao que tudo indica, é mais feliz quem não se preocupa tanto em perseguir a dita-cuja.

Foi constatado, por exemplo, em um estudo recente da pesquisadora Iris Mauss, do Departamento de Psicologia da Universidade de Denver, que ter como foco a felicidade pode trazer o efeito oposto: aumentar a frustração e o descontentamento com a vida. Ela monitorou um grupo de voluntários que tinham de ler um falso artigo de jornal e depois ver um videoclipe desses com sequências de imagens felizes. Parte do grupo leu algo que enaltecia o valor da felicidade, enquanto o texto entregue ao segundo grupo sequer mencionava a palavra. Resultado: aqueles que foram induzidos pelo texto a valorizar a felicidade se sentiram pior que os demais após a projeção do filme positivo. O motivo? Ficaram desapontados porque não se sentiram tão felizes quanto esperavam diante das imagens. Em resumo: a busca da felicidade poderia semear o terreno para a decepção.

Mauss não está sozinha. Os psicólogos Jonathan Schooler, Dan Ariely e George Loewenstein constataram que a busca consciente e a avaliação contínua da felicidade podem prejudicar o bem-estar das pessoas. Para chegar a essa conclusão, dividiram voluntários em três grupos, que deveriam ouvir A Sagração da Primavera, de Stravinsky, em diferentes condições. Na primeira, eles simplesmente ouviam a música; na segunda, foram orientados a ficar o mais felizes que conseguissem e, na terceira, deveriam indicar a variação de sua felicidade em tempo real usando uma escala. O resultado: aqueles que tiveram a experiência mais satisfatória foram os que ouviram a música sem objetivo determinado, sem patrulha.

Estudos como esses colocam em xeque certas técnicas propagadas pelos livros de autoajuda - e muito replicados por conselheiros amigos por aí - para alcançar a felicidade. Como, por exemplo, descobrir o que te faz feliz e pensar todos os dias sobre aquilo ou seguir uma lista de passos até conseguir o que almeja. Não que essas técnicas sejam necessariamente ruins. O problema é que, ao fazer isso com o objetivo de se tornar mais felizes, as pessoas podem criar expectativas muito elevadas, irreais - um dos ingredientes infalíveis para a frustração.


AMANHÃ VAI SER OUTRO DIA 
Há outro problema aí: as evidências de que não somos muito competentes quando se trata de prever o caminho para o nosso próprio bem-estar. Um estudo feito em 2008 por pesquisadores da Universidade de Liège, na Bélgica, e da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, descobriu que a maioria das pessoas erra ao tentar antecipar as reações emocionais a acontecimentos esperados. E isso se deve, em parte, à tendência de ignorar um elemento determinante nesse processo: nossa própria personalidade. Em outras palavras, às vezes perseguimos objetivos como se fossem bálsamos para nos fazer mais felizes, como conseguir aquele emprego ou perder alguns quilinhos, sem conseguir avaliar muito bem o impacto real que esses sucessos terão na nossa vida.

A experiência comparou as previsões e o sentimento posterior, real, após dois eventos distintos: a divulgação das notas a um grupo de 47 universitários e o resultado das eleições nos EUA entre 250 belgas adultos, a maioria simpatizante de Barack Obama. Ao avaliar o humor dos voluntários após os eventos, os pesquisadores concluíram que ele se manteve mais alinhado às personalidades deles do que às previsões que fizeram. Perceberam também que as pessoas mais otimistas se mostraram menos propensas a superestimar sua felicidade futura do que os participantes mais negativos - que desconsideraram sua própria tendência ao mau-humor ao fazer as previsões. Ou seja, a nossa disposição natural diante da vida pode ser um indicativo bem mais poderoso de felicidade futura do que qualquer evento específico, mesmo que superesperado, como notas e, naquela ocasião, o resultado das eleições americanas.

Para os autores do estudo, isso ensina que, ao tomar uma decisão importante ou traçar planos, é melhor se concentrar primeiro na maneira como você costuma reagir aos acontecimentos e não no evento em si. Será que comprar o carro do ano vai fazer de você uma pessoa feliz? Quando chegou a outros objetivos parecidos, no passado, seu humor mudou radicalmente? Basear toda a sua felicidade futura em sonhos realizados ou conquistas eleitas como fundamentais pode provocar o efeito oposto: desapontar-se por perceber que você não ficou feliz como imaginou ao atingi-las - e se sentir pior do que antes.

Isso é muito natural, na verdade. Grandes conquistas ou perdas são menos impactantes na nossa vida, no longo prazo, do que costumamos fantasiar. Simplesmente porque somos adaptáveis, nos acostumamos logo com cada nova realidade e aos poucos essas circunstâncias externas deixam de ter tanta influência no nosso bem-estar, humor etc. Em 2008, pesquisadores da Universidade Estadual do Michigan e do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica usaram dados de duas grandes pesquisas nacionais feitas na Alemanha e na Grã-Bretanha para analisar os níveis de satisfação com a vida antes e após eventos importantes, como casamento, divórcio, desemprego e doença. A conclusão foi que a maioria das pessoas acaba retornando a um nível de felicidade bem próximo ao anterior algum tempo após acontecimentos positivos, como o casamento (dois anos, em média) ou negativos, como a morte de um cônjuge (7 anos, em média, para se readaptar). E o mesmo estudo mostrou que o grau de adaptação varia muito entre uma pessoa e outra, de acordo com sua personalidade - ou seja, o foco recai novamente na forma como encaramos os acontecimentos, não nos acontecimentos em si.


SÓ NÃO É FELIZ QUEM NÃO QUER

A genética também confirma essa percepção. Talvez alguns sejam mesmo naturalmente mais propensos à felicidade do que outros, faça chuva ou faça sol. Em um estudo com 2 500 voluntários publicado no ano passado, pesquisadores de economia comportamental da Escola de Economia e Ciências Políticas de Londres descobriram que as pessoas com a variante mais eficiente do gene 5-HTT têm essa tendência. Esse gene, responsável pelo transporte de serotonina (neurotransmissor que promove a sensação de bem-estar) entre os neurônios, pode ser longo ou curto. Ter um par de genes longos (um é herdado do pai e outro da mãe) seria a combinação mais eficiente, associada à maior propensão à satisfação com a vida. Entre aqueles com essa variação do gene, 35% disseram estar muito satisfeitos e 34% afirmaram estar satisfeitos com a vida. Já entre aqueles com o 5 HTT menos eficiente ou seja, os dois curtos, apenas 19% se encaixavam em cada uma dessas categorias de satisfação. Em compensação, 26% afirmaram estar insatisfeitos, contra 20% de insatisfação do outro grupo.

Isso parece explicar tudo? Calma, também não vale cair no fatalismo, há mais cartas nesse jogo. Outros genes e, principalmente, nossas experiências ao longo da vida vão ajudar a compor o panorama de nosso nível individual de felicidade, assim como suas variações, defende Jan-Emmanuel De Neve, líder do estudo. "Mas essa descoberta ajuda a explicar por que algumas pessoas tendem a ser naturalmente mais felizes do que outras", diz.

Bem, se grandes conquistas não contam tanto e a genética pode ser determinante, o esforço em ser feliz é de todo inútil? Não é isso. Todo mundo é capaz de, com alguns ajustes, tirar mais proveito do dia a dia e adotar posturas que rendem mais alegria. A praga é ficar neurótico com isso, se sentir obrigado a ser feliz o tempo todo, hoje, amanhã e no futuro distante. Aquele clichê de querer garantir que você vai ficar velho, olhar pra trás e ver que sorriu muito, muito mais do que chorou. "Enquanto ser autoconsciente e obsessivo sobre a felicidade pode sair pela culatra, há determinadas atividades feitas conscientemente para aumentá-la que funcionam, como alterar o estilo de vida ou meditar", disseram pesquisadores da Universidade de Illinois no artigo "In Pursuit of Happiness: Empirical Answers to Philosophical Questions", que contrapõe as discussões filosóficas sobre a felicidade a constatações científicas.

June Gruber, diretora do Laboratório de Emoção Positiva e Psicopatologia da Universidade de Yale, defende que a melhor maneira de aumentar a felicidade é usar a energia que você colocaria na preocupação em ser feliz para cultivar relacionamentos melhores com as pessoas. Diferentes estudos mostraram que ter amigos e pessoas queridas por perto é o elemento mais eficaz na promoção de contentamento duradouro. Pesquisas com pessoas muito felizes também constatam que elas têm excelentes relações sociais.

Em resumo, para estudiosos do assunto existiriam dois tipos de felicidade: a ideal e a efetiva. A ideal pode ser definida como o sentimento em estado completo. "Esse tipo - perfeito, puro e perpétuo - tem padrões extremamente altos e provavelmente está fora do alcance. No entanto, ainda é possível experimentar emoções predominantemente positivas e estar satisfeito com a vida", dizem os pesquisadores da Universidade de Illinois. É essa felicidade chamada efetiva que valeria a pena se ocupar em buscar. A questão é aceitar que ela é tão possível quanto fugaz, subjetiva, e não um troféu a ser ganho e guardado como direito adquirido. E tudo bem que seja assim.



O lado ruim da felicidade 
Ser feliz demais também pode fazer mal à saúde Nem sempre - e em qualquer medida - a felicidade é boa. É o que defendem as pesquisadoras Iris Mauss, June Gruber e Maya Tamir, em um artigo sobre o lado negativo da dita-cuja. Elas reuniram estudos que mostram que níveis muito altos de emoções positivas podem ser associados a comportamentos de risco como promiscuidade sexual, dirigir em alta velocidade e abuso de álcool e drogas. A felicidade exacerbada implica ainda uma possível deficiência de emoções negativas, o que não é nada bom. Afinal, o medo evita que as pessoas corram riscos desnecessários, a culpa pode impedi-las de repetir os mesmos erros e a tristeza tem um papel importante no amadurecimento e na capacidade de lidar com problemas. Segundo essa revisão de estudos, os benefícios já comprovados da felicidade não aumentam proporcionalmente em casos de altíssimos níveis desse sentimento - ou seja, vive-se melhor com satisfação moderada do que feliz ao extremo.

Para saber mais 
A Tristeza Perdida - Como a Psiquiatria Transformou a Depressão em Moda. Allan Horwitz e Jerome Wakefield, Summus Editorial, 2010.



Você tem o direito e o dever de ser feliz Estamos sendo privados de um sentimento inerente à condição humana: a tristeza 
O autor norte-americano Arthur Miller escreveu em 1949 uma peça que representava bem o estado de espírito dos Estados Unidos no pós-guerra. A Morte do Caixeiro-Viajante conta a história de um homem chamado Willy Loman que, apesar de ter nutrido a maior fé no sonho americano de que o trabalho duro o levaria ao sucesso, se vê aos 60 anos como um fracassado. Desempregado, doente, endividado e desprezado pelos filhos, ele decide se matar. Ao estrear na Broadway, muita gente se identificou com o personagem e a peça foi um enorme sucesso. Quando voltou aos palcos 50 anos mais tarde, a recepção foi bem diferente. Dois psiquiatras analisaram o roteiro, e a conclusão foi que a tristeza do protagonista se devia a apenas um motivo: ele sofria de depressão. Um artigo do New York Times chegou a implorar: Deem algum Prozac a esse cara! Arthur Miller discordou e disse que Willy não era um depressivo e sim um oprimido pela vida com razões sociais para estar naquela situação.

Se o personagem foi um retrato de seu tempo, o diagnóstico médico do fim dos anos 90 ilustra bem como a tristeza passou a ser encarada atualmente. O que a nossa cultura um dia viu como uma reação compreensível a aspirações frustradas é hoje considerado uma doença psiquiátrica, dizem os professores Allan Horwitz (da Universidade Rutgers) e Jerome Wakefield (da Universidade de Nova York) no livro A Tristeza Perdida Como a Psiquiatria Transformou a Depressão em Moda (Summus Editorial). Eles defendem que vivemos a era da depressão, em que a tristeza não é mais vista como reação normal a dificuldades, mas como algo que requer tratamento médico.

Segundo o livro, parte do problema se deve a mudanças no critério para a classificação do transtorno depressivo. Os sintomas da depressão (tristeza profunda, insônia, irritabilidade, ideias suicidas, negativismo, fadiga, reclusão social etc.) também podem aparecer em casos justificados de tristeza, como a morte de alguém amado, a perda do emprego ou uma separação repentina. A diferença é que a intensidade desses sintomas é proporcional à gravidade da situação e eles vão embora com o tempo. No livro Contra a Felicidade Em Defesa da Melancolia, o pesquisador de literatura e psicologia Eric G. Wilson, da Universidade Wake Forest, EUA, faz coro. Ele defende que um pouco de tristeza diante dos aspectos trágicos do mundo é justamente o que nos torna humanos e que o ideal é tentar viver entre os polos de tristeza e alegria, em vez de tentar eliminar nossos sentimentos negativos.

QUANTO VALE A SUA FELICIDADE?

O PREÇO DA FELICIDADE

Eis algumas questões que mobilizam filósofos desde a Antiguidade. O que é a felicidade? Um objeto ou bem de consumo pode mudar nosso estado de espírito? Em todo o mundo, há um ditado que diz que o dinheiro não traz felicidade. Pesquisadores do site Yahoo! na Inglaterra, porém, resolveram ir mais fundo na questão. Puseram no ar uma enquete para saber se os internautas concordam com tal afirmação. A grande maioria disse que não. Para os ingleses, o dinheiro traz, sim, felicidade. Os investigadores descobriram que a felicidade custa, no mínimo, 2,7 milhões de libras esterlinas (aproximadamente 14,2 milhões de reais). Esse número vale se você for um homem britânico. Se for mulher... Bem, se for mulher, você sabe que o grau de exigência vai aumentar um tantinho. Para elas, a felicidade pode ser alcançada com 2,8 milhões de libras (cerca de 14,8 milhões de reais). A equipe do Yahoo! Finanças Pessoais tabulou os dados com base nas respostas de 2500 pessoas. Apenas 15% dos entrevistados disseram sentir-se felizes. Graças a sofisticados cálculos estatísticos, cada resposta se transformou num valor em dinheiro, que deu origem ao “preço da felicidade” – e também ao tempo necessário para adquiri-la. Conforme a média dos salários na Grã-Bretanha, são necessários 94 anos de trabalho para juntar todo esse dinheiro embaixo do colchão.

07/06/2013

AS MAIS POLÊMICAS CAPAS DE REVISTAS DO MUNDO

As mais polêmicas capas de revista da história


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Beth Ditto, nomeada a "Mulher Mais Sexy do Ano" revista  NME Awards 2007.
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Memorável capa da Rolling Stone de setembro de 1993, na qual Janet Jackson aparece com os seios sendo segurados por mãos anônimas. É considerada umas das imagens mais marcantes da música nos anos 90.

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Capa da revista The Economist de 1994, mostra o acasalamento dos dois camelos representando a união de duas empresas. A polêmica foi grande, pois muito acharam a capa muito ousada para uma revista de economia conservadora, mas alguns levaram na brincadeira.

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Capa da revista Hustler de 1978, causou uma grande polêmica, pois a imagem é bastante forte.
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A revista New York causou uma enorme polêmica com essa capa. Pois o cidadão estampado nela era governador do estado, o qual acabará de ser acusado de envolvimento com uma rede de prostituição.

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Talvez essa seja a capa de revista mais conhecida no mundo. A foto foi tirada por Annie Leibovitz pouco antes de John ser assassinado. Era para ser uma foto só de John, mas ele insistiu que sua esposa aparecesse junto na imagem. Essa capa foi eleita a mais popular pela America of Magazine Publishers.

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Essa capa da Vanity Fair marcou época e criou moda. Apesar de que no seu lançamento ter gerado uma certa polêmica, essa capa criou um padrão para as famosas gravidas.
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Essa foto foi umas das coisas que fez com que o povo americano se revoltasse contra a guerra do Vietnam. A imagem mostra um vietnamita sendo preso pelo exército americano. Ela foi tirada por Paul Schutzers, considerados um dos maiores da história da fotografia. Infelizmente ele foi morto em missão durante a Guerra dos Seis Dias de 1967 entre Israel e seus países vizinhos.
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Essa é uma incrível imagem do desastre, ela estampa a edição especial da revista Time, apresentando uma fotografia dos dois aviões sequestrados rasgando as torres do World Trade Center em 11 de setembro de 2001, tirada pelo fotógrafo Lyle Owerkoof.
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A ótima montagem estampa a capa da edição de novembro de 2000. Apesar da boa capa a revista gerou certa polêmica pelo seu conteúdo político.



"A ousadia e a criatividade sempre fez e fará a diferença, quem não aposta no novo passará a vida na mesmice e morrerá literalmente junto ao velho".

Beto Nazário

06/06/2013

PARA ALGUMAS MULHERES OS HOMENS MACHISTAS SÃO MARIDOS MELHORES

Homens machistas são maridos melhores

Thiago Perin 29 de julho de 2010

Lugar de mulher é na...
Lugar de mulher é na…
Calma, meninas. Não briguem comigo. Quem chegou a essa conclusão foram duas pesquisadoras (sim, mulheres) da Universidade de Rutgers, em Nova Jérsei (EUA). E o estudo já é descrito, logo de cara, como “preliminar”, então não levem tão a sério. Mas é isso aí: os resultados de testes e entrevistas aprofundadas que Jessica Good e Diana Sanchez fizeram com 102 voluntários homens indicam que os machistas (o termo se refere, nesse estudo, aos caras que “apenas” veem a mulher como um ser mais fraco, que precisa da proteção masculina – nada a ver com qualquer tipo de comportamento violento ou coisa assim) mostraram maior investimento na família, em deixar a companheira satisfeita e no relacionamento em geral. Justamente por esse ímpeto de proteger, de cuidar da pobre mocinha indefesa.
E aí, o que você acha? Dá para conferir o trabalho completo aqui.

POLÊMICA: AS FUNKEIRAS SÃO FEMINISTAS?

O funk é feminista


Quando cantam suas letras consideradas obscenas, as funkeiras reivindicam o direito ao prazer sexual, denunciam a opressão e ainda rompem padrões de beleza. Elas são muito bem-vindas ao movimento feminista!

por Carla Rodrigues

“Sou cachorra chapa quente (...) Sou uma gatinha manhosa/Vou fazer tu derramar/O seu líquido do amor/Ai, que tesão, vou te arranhar”. A letra é de Cachorra Chapa Quente, da funkeira carioca Tati Quebra-Barraco. Ela, Deise da Injeção e As Danadinhas são algumas das representantes, no funk, da demanda por liberdade sexual, que traz junto ao direito ao sexo e ao prazer as bandeiras de igualdade, exatamente como as feministas fizeram na década de 1970. Quando cantam suas letras consideradas obscenas, estão reivindicando mais do que prazer na cama e denunciando as opressões às quais foram historicamente submetidas. De quebra, rompem com os padrões de beleza: nenhuma delas é loura ou magra, e nem por isso deixam de exibir o corpo, dançar ou se apresentar como mulheres desejáveis. Sem nenhum respaldo teórico – e, diga-se de passagem, já sem precisar da teoria, na medida em que a prática da igualdade entre os sexos tem se espalhado na sociedade de forma saudável e natural –, as meninas do funk sabem na pele o que é preconceito: são pobres, negras e faveladas. O que não falta, portanto, é estigma.

Parte das militantes do movimento feminista, porém, prefere não reconhecer o funk e manifestações culturais menos formais como marca da entrada do feminismo na sociedade. No funk, há a crítica de que as músicas apresentam as mulheres como meros objetos sexuais (um lugar de subordinação do qual as feministas lutaram para nos retirar). Mas é preciso admitir os apelos de liberdade sexual da juventude como uma consequência positiva do feminismo.

Valorizar essa liberdade é também um gesto político. Para isso, devemos pensar no feminismo não como um clube exclusivo ao qual se tem acesso por tortuosos caminhos institucionais (quem vende o título deste clube? Onde entregam a carteirinha?), mas como aquilo que o inspirou desde o começo: ser um movimento plural, sem hierarquia, dogmas, controle ou estruturas centralizadas, que não defende uma verdade, mas está em permanente construção de uma agenda em evolução. Assim, devemos mais é comemorar que a pauta da liberdade sexual tenha chegado ao funk – no que se espera que seja um permanente processo de expansão desde as primeiras reivindicações do movimento feminista.

Tudo começou no século 18, quando Olimpes de Gouges, na França, e Mary Wollstonecraft, na Inglaterra, passaram a lutar por direitos civis para as mulheres. A partir da atuação das inglesas, o voto feminino foi conquistado no século 19. Num salto histórico, chegamos aos anos 1950/1960/1970 e à chamada “segunda onda do movimento feminista”. Foi quando entraram em pauta exigências de liberdade em todos os campos da vida social. As bandeiras de luta chegam, então, a temas até aquele período restritos à vida privada, como o direito ao prazer sexual. São campanhas que se expandiram do direito ao orgasmo ao questionamento do papel de dona de casa, e que culminaram nas bandeiras de liberdade individual, hoje cantadas também pelos grupos femininos do funk.

* Carla Rodrigues é jornalista, professora e doutora em Filosofia (PUC-Rio).

04/06/2013

QUEM FAZ MAIS SEXO É BEM MAIS FELIZ


Fazer mais sexo que seus amigos é o segredo da felicidade

Carol Castro 18 de abril de 2013
Sexo é mágico: lembra que só de pensar no ato você fica mais espertinho? Pois é, ir além do pensamento pode deixar sua vida mais feliz. Mas, segundo uma pesquisa americana, você só vai ser feliz mesmo se acreditar que faz mais sexo do que todos seus amigos.
Tim Wadsworth, um sociólogo da Universidade de Colorado em Boulder, analisou os dados de uma pesquisa nacional com mais de 15 mil pessoas, realizada entre os anos de 1993 até 2006. Ele queria saber se a frequência com que as pessoas fazem sexo influencia na felicidade. E, sim, uma coisa tem tudo a ver com a outra: quem faz sexo 2 ou 3 vezes por mês tem 35% mais chances de sentir uma felicidade quase plena do que aqueles que raramente transam. Aliás, quanto mais sexo eles fazem, maior é a felicidade.
Isso só não acontece se seus amigos se vangloriarem mais das noitadas do que você. Pois é, quando os casais acreditam que fazem menos sexo do que os outros a felicidade cai pela metade. Ou seja, segundo a pesquisa, provavelmente você só vai se sentir feliz de verdade se pensar que faz mais sexo do que todos seus amigos.
Que bobeira, não?
Crédito da foto: flickr.com/anais_nannini

QUEM TEM BOCA DIZ O QUE QUER E ESCUTA O QUE NÃO QUER


Posts da categoria ‘sexo’


Homens acham que mulheres tatuadas são mais fáceis

Carol Castro 28 de maio de 2013
Por mais ridículo que pareça, é essa a impressão que eles têm: mulheres tatuadas topam sexo mais fácil do que as outras.
Foi o que mostrou um estudo da Universidade de Bretagne-Sud, na França. No primeiro teste, algumas mulheres fizeram uma tatuagem provisória e se deitaram na praia. E os pesquisadores, à distância, contaram quantos homens se aproximavam delas. Foram mais de 200 – fizeram mais sucesso do que as mulheres sem tatuagem que estavam pela praia.
Então os pesquisadores quiserem entender os motivos masculinos. Perguntaram a 440 homenssobre algumas mulheres que estavam por ali. A maioria deles achava que as tatuadas topariam mais facilmente um encontro e sexo. E é por isso que eles preferiam assediá-las.
Não é uma grande besteira?
Crédito da foto: flickr.com/acetonic

A CIÊNCIA DO SEXO



A ciência do sexo


Afinal, como a ciência pode melhorar a sua vida sexual?




por Denis Russo Burgierman / Bárbara Soalheiro

Pesquisadores de diversas áreas elegeram como prioridade dar ao mundo um sexo melhor. Pênis erguidos por substâncias químicas, órGãos sexuais mapeados milimetricamente, orgasmos planejados no laboratório. Afinal, como a ciência pode melhorar a sua vida sexual?
O ano era 1954. Masturbação era pecado, homossexualismo era crime, posições sexuais, que se soubesse, havia uma só. Impotência, ejaculação precoce, anorgasmia, fetiche, sexo oral, sexo anal, prazer, orgasmos múltiplos, clitóris não eram assuntos para serem discutidos à mesa. Aliás, não eram assuntos para serem discutidos em lugar nenhum. Naquele ano, um fisiologista da Universidade do Missouri iniciava seu projeto de pesquisa.
Bill Masters era o nome dele. Parte de seu trabalho tinha a ver com um objeto que ele criou: um pênis de plástico com uma câmera no seu interior. O aparelho, instalado sobre uma cama, era acoplado a uma roda de ferro. Quando a pessoa deitada na cama, uma mulher, girava a roda, o pênis de plástico descia, entrando numa parte da anatomia feminina que câmera nenhuma jamais havia filmado.
Masters fez mais. Recrutou homens e mulheres casados, ligou neles sensores para medir seus batimentos cardíacos e sua transpiração e colocou-os para transar. Aí chamou homens e mulheres que jamais haviam se visto e fez o mesmo, para comparar. Completos desconhecidos passaram semanas praticando intercurso, fazendo sexo oral e se masturbando numa sala, na bucólica Universidade do Missouri, nos saudosos idos de 1954.
Para a maior parte do mundo, aquilo tudo não passava de safadeza mal disfarçada de ciência. Para Masters, tratava-se de considerar o sexo um ato natural, que portanto se prestava à investigação científica. Mais: ele estudava sexo não apenas para entender a reprodução humana. Masters estava interessado em algo que a ciência até então ignorava redondamente: os mecanismos do prazer. E saiu por aí dizendo que as pessoas – em especial as mulheres, as mais oprimidas na cama, e não apenas pelo peso dos corpulentos maridos – têm direito a gozar.
Masters publicou seus achados com a co-autoria de Virginia Johnson, com quem, depois de anos discutindo sexo, acabaria se casando. Junto com um outro pioneiro, Alfred Kinsey, autor do famoso Relatório Kinsey, uma monumental série de entrevistas que desvendou o que os americanos faziam na cama, publicado entre 1948 e 1953, Masters e Johnson abriram o caminho para o mundo de hoje.
Agora, sexo é um ato natural, está provado. Natural e faz bem, provou-se também. Quem tem uma vida sexual saudável tem índices menores de estresse, o que pode repercutir em vários aspectos da vida, desde melhorando a pele até atrasando a morte, ao prevenir doenças sérias. Há Viagra nas farmácias, terapeutas sexuais em cada esquina, livros em profusão prometendo um caminho fácil e rápido ao nirvana orgásmico. Milhares de pesquisadores se dedicam a aumentar o prazer da humanidade, seja com mágicas bioquímicas, seja explorando os meandros da mente, seja resgatando técnicas milenares e testando-as no laboratório.
Temos direito ao orgasmo. Temos direito ao prazer. Depois de meio século de pesquisas, desenvolveu-se um arsenal variado para combater todos os males que afligem as camas do planeta. Qualquer pessoa, se quiser, pode melhorar a qualidade do seu sexo. Nas próximas páginas, você vai conhecer esse arsenal. No final, está convidado a tomar parte da discussão do momento: que mundo é esse que os seguidores de Masters estão criando? Ou, em outras palavras, para que tudo isso?
Sexo na farmácia
Em 1998 a Pfizer exorcizou o fantasma da impotência – ou, na linguagem politicamente correta mais em voga, “disfunção erétil”. Foi sem querer – o Viagra era um remédio para tratar pressão alta, a ereção foi apenas um bem-vindo efeito colateral. Mas, depois disso, parecia não haver limites para os recursos da indústria farmacêutica na luta pelo prazer.
O Viagra, medicamento mais vendido do Brasil, vulgo “diamante azul”, apelido devido à forma e à cor do comprimido, acaba de ganhar dois aliados nessa luta. Aliás, aliados coisa nenhuma. Eles são concorrentes pesados no já imenso mercado de drogas contra a impotência – movimenta 100 milhões de dólares ao ano no país. O Levitra, a “pastilha rosa”, resultado de uma união entre as gigantes Bayer e Glaxo, chegou ao Brasil no dia 5 de maio, anunciado numa coletiva de imprensa realizada num motel, para o qual os jornalistas foram conduzidos de helicóptero, uma não tão sutil referência ao movimento ascendente que o remédio promete. Já o Cialis, ou “amêndoa amarela”, do laboratório Eli Lilly, também está à venda desde o mês passado. Os dois chegam com a intenção anunciada de serem líderes do mercado hoje monopolizado pela Pfizer. Viagra, Cialis e Levitra custarão todos mais ou menos o mesmo preço. Que é alto. Quase 100 reais pelo pacote de quatro comprimidos.
O Levitra aposta nos menos favorecidos ao lançar uma embalagem de apenas um comprimido por quase 30 reais.
Todos agem de maneira parecida. Eles bloqueiam temporariamente a PDE5, uma enzima que funciona como comporta na represa que é o pênis. Explicando: uma ereção acontece porque a excitação masculina provoca o relaxamento dos músculos nos corpos cavernosos do pênis. Relaxados, eles viram uma esponja e encharcam-se de sangue. Aí o dito-cujo fica duro. Se ficasse duro por duas ou três horas, o pinto caía. Sangue parado, você sabe, gangrena. Para evitar essa tragédia, o corpo produz a tal PDE5, que solta o sangue e o deixa voltar a circular. Os princípios ativos do Viagra, do Levitra e do Cialis são sutilmente diferentes um do outro. Mas todos fazem o mesmo: desligam a PDE5.
Os dois remédios novos chegam prometendo vantagens, embora não haja ainda pesquisas comparativas. A Bayer e a Glaxo afirmam que o Levitra age mais rápido – em 15 minutos, contra 40 do Viagra – e tem menos efeitos colaterais – não causa alterações na visão, mas, assim como o concorrente da Pfizer e o Cialis, pode dar dor de cabeça e entupir o nariz.
Já o Cialis aposta na duração do efeito. Quem toma a amêndoa amarela fica sujeito a ereções a qualquer estímulo por até 34 horas, contra menos de oito horas para seus dois concorrentes. O pessoal da Eli Lilly diz que isso dá mais naturalidade para a relação. O sujeito não precisa tomar o remédio logo antes de transar, pode consumi-lo antes mesmo do encontro e ficar preparado para o que der e vier. Já os concorrentes falam que tanta duração é uma desvantagem. “Imagine o inconveniente se o sujeito for andar num metrô lotado no dia seguinte”, diz um médico da Bayer, com um sorriso malicioso.
De qualquer forma, a longa duração pode ser um atrativo a mais do Cialis para os “usuários recreacionais” desses remédios: aqueles que tomam não porque têm disfunção erétil, mas porque querem turbinar o sexo. Um efeito de 36 horas pode ser bem aproveitado numa “festinha” de fim de semana, diminuindo o período refratário, aquele tempo que todo homem precisa entre uma ejaculação e uma nova ereção – uns minutinhos aos 18 anos, algumas semanas na velhice.
O uso recreacional preocupa os especialistas. “Existe a possibilidade de que o Viagra cause dependência psicológica”, diz o médico Alfredo Romero, diretor do Instituto Brasileiro para Saúde Sexual (Ibrasexo), em São Paulo. Noventa por cento dos diamantes azuis da Pfizer são vendidos sem receita médica – apesar da tarja vermelha na embalagem. O grande perigo da venda indiscriminada é o fato de que hoje se sabe que raramente disfunção erétil é um problema isolado. Na maioria dos casos, ela está ligada a alguma doença que pode ser séria: hipertensão, diabetes, depressão, colesterol alto. Por isso é fundamental que o paciente vá ao médico para obter a receita. Só assim ele saberá do seu estado de saúde e se cuidará, em vez de tratar só a disfunção erétil e maquiar sintomas de algo mais sério.
A indústria farmacêutica, otimista, acha que seus remédios não melhorarão apenas o sexo. Melhorarão também a saúde, porque levarão os homens aos médicos e os estimularão a tratar seus males de maneira adequada. Hoje, um homem com problema de ereção demora em média 5,6 anos para procurar um especialista, segundo dados do Ibrasexo. E isso é perigoso. Muitos diabéticos deixam de tomar as vitais doses de insulina porque elas podem causar também uma dificuldade de ereção.
Outro espectro que apavora os homens é o câncer de próstata. Uma conseqüência freqüente da operação de próstata é a disfunção erétil que se segue à cirurgia. Pois, nos testes, o Levitra tem se mostrado eficiente para reerguer até esses pacientes. A depressão é outra doença que amolece muitos pênis pelo mundo. Pois os laboratórios afirmam que seus remédios aumentarão a auto-estima de seus usuários, auxiliando no tratamento da própria depressão. Ou seja, os laboratórios estão alardeando que suas pastilhas ajudam a curar quase tudo.
A euforia, portanto, é grande. Pudera. Entre 10 e 15 milhões de homens brasileiros têm disfunção erétil. Isso sempre foi encarado como um desses fatos incontornáveis da vida. A especialista em sexo Carmita Abdo, da Universidade de São Paulo, diz que a porcentagem de homens com problemas de ereção coincide mais ou menos com a faixa etária. Ou seja, 20% dos homens na faixa dos 20 têm disfunção erétil, 80% na dos 80. Trata-se do maior problema sexual entre os homens do mundo – no Brasil, afeta 46% deles, segundo pesquisa do Projeto Sexualidade, coordenado por Carmita. Pois essas pílulas, em testes, têm dado resultados em sete a nove de cada dez pacientes.
E tem mais: de acordo com a mesma pesquisa, o segundo problema mais freqüente entre homens é a ejaculação precoce, que atinge 16% dos portadores de pênis. Define-se um ejaculador precoce como um sujeito que goza sempre antes de penetrar a parceira ou logo ao fazê-lo. Carmita acredita que o Viagra e seus concorrentes trarão alívio também a muitos desses homens. Isso porque ejaculação precoce pode ser causada por insegurança – o sujeito ejacula rápido com medo de perder a ereção. Ou seja, saem beneficiados os afligidos pelos dois maiores problemas sexuais masculinos do Brasil. Claro que tudo isso gerou um grande otimismo. Boa parte do público antevê uma época em que todos os problemas sexuais serão tratados por pílulas mágicas.
Não é tão simples assim. Disfunção erétil é algo simples: não passa de uma questão, digamos, “hidráulica”. Há problemas bem mais complexos e, para esses, ainda não existe remedinho salvador. As mulheres, assim como os homens, manifestam sua excitação sexual com um aumento do fluxo sanguíneo na região dos genitais. Ou seja, teoricamente, um remédio como o Viagra poderia também deixá-las prontas para o sexo. Ainda assim, os testes com Viagra em mulheres foram desapontadores. Isso talvez tenha a ver com o fato de que os problemas sexuais femininos geralmente vão além de um vazamento na represa de sangue.
Homens e mulheres com falta de desejo, um dos problemas sexuais mais difíceis de tratar e, ainda assim, dos mais relegados pelos terapeutas sexuais e pela indústria farmacêutica – não têm tantas razões para celebrar. Viagra, Levitra e Cialis funcionam apenas para homens que têm o mecanismo de desejo intacto. Os outros, algo como 15% dos machos entre 18 e 59 anos, nem põem para funcionar o aparato bioquímico no qual esses remédios interferem. O laboratório Abott até tentou atacar o problema com o medicamento Uprima, que age diretamente no sistema nervoso central, estimulando a ereção. Mas os resultados ainda deixam a desejar.
Os pesquisadores acenam com outras possibilidades. Uma substância apelidada de PT-141, administrada por spray nasal, cuja ação no cérebro recai diretamente sobre o hipotálamo, controlador dos estímulos sexuais, tem se saído bem em testes com animais. Daí a chegar às farmácias tem um longo caminho. Ou seja, não há dúvida de que a indústria farmacêutica trouxe avanços. Mas ela ainda não nos colocou num mundo perfeito.
Sexo e o corpo
Mas talvez a chave para o sexo bom não esteja num remédio. Talvez ela esteja em nós mesmos. Um exemplo incrível do quanto as pessoas desconheciam seus próprios corpos antes que Masters, Johnson e Kinsey abrissem as portas para a busca pelo prazer é a história do hoje famoso “ponto G”.
O fugidio pedacinho de pele fica num lugar bem acessível, na parede superior da vagina, a mais ou menos meio dedo de profundidade, em frente ao clitóris, só que do lado de dentro. Achá-lo é fácil. Basta colocar o dedo dentro da vagina, com a ponta dele encostada no teto, e ir afundando-o. Você vai notar que a parede vai ficando cada vez mais alta até chegar a um ponto culminante, antes de começar a baixar de novo. Esse ponto culminante é o ponto G. Pouco antes desse vale, há uma área de pele enrugada, com textura parecida com a do céu da boca. Estimular o ponto e a pele enrugada paciente e lentamente – seja fazendo um movimento de “venha cá” com o dedo ou esfregando lá o pênis – pode ser um atalho para o orgasmo feminino. E ninguém sabia disso até outro dia.
A história do ponto G ilustra a repressão que cercava as pesquisas sobre prazer sexual. “G” vem de Gräfenberg – Ernst Gräfenberg, o ginecologista e obstetra alemão que descobriu o tal ponto em 1950 e morreu sete anos depois, antes da fama.
Nos anos 70, dois médicos americanos que tratavam mulheres com incontinência urinária notaram que algumas delas tinham características diferentes das outras. Para começar, elas possuíam o músculo pubococcígeo, PC para os íntimos, bem forte. O PC é o músculo que homens e mulheres usam para fechar a passagem de urina. Em quem tem incontinência urinária, como é de se esperar, ele é fraquinho. Estranho alguém com essa musculatura tão desenvolvida não conseguir segurar o xixi. Outra coisa estranha. Essas mulheres só tinham incontinência em uma situação: durante o sexo. Mais especificamente, no orgasmo ou pouco antes dele.
Em 1980, os dois médicos, chamados John Perry e Beverly Whipple, encontraram uma explicação para o mistério. As mulheres não sofriam de incontinência urinária. O líquido que elas soltavam não era urina. Ele vinha da uretra, era inodoro e sua composição era praticamente idêntica à do fluido da próstata masculina, que, misturado aos espermatozóides, forma o esperma. Em resumo: as mulheres estavam ejaculando.
Por séculos – e até hoje em muitos lugares –, mulheres que ejaculavam foram forçadas a passar por cirurgias que, muitas vezes, arruinaram seus orgasmos. A ejaculação feminina não é novidade: povos na África e na Ásia a conhecem faz tempo. Mas a ciência ocidental nunca ligou para isso porque jamais tinha se preocupado com o orgasmo. Menos ainda com o feminino.
E o que isso tem a ver com o ponto G? Perry e Whipple descobriram que a ejaculação feminina quase sempre era provocada pela estimulação da região mapeada por Gräfenberg. Descobriram mais: que ela, mesmo quando não leva à ejaculação, pode trazer orgasmos muito intensos, e é uma disparadora freqüente dos tão perseguidos orgasmos múltiplos. Foram eles que deram o carinhoso nome do ponto G. Foram eles, também, que iniciaram uma calorosa polêmica.
Muitos especialistas dizem que o afamado ponto não existe. Que os orgasmos não passam de reflexo da estimulação indireta do clitóris. “É um consenso que o terço externo do canal vaginal é a área mais sensível, mas não há confirmação sobre um ponto específico”, diz Maria do Carmo Andrade Silva, que criou no Rio de Janeiro o primeiro mestrado brasileiro de sexologia. Outros, concordando com Perry e Whipple, afirmam que o ponto G não apenas existe, como provoca orgasmos totalmente diferentes, que seguem uma rota nervosa diversa da do clitóris. O fato é que a tal região é uma zona erógena da mais alta qualidade para muitas mulheres e merece exploração.
Tudo isso é prova do quanto o corpo feminino era desconhecido até pouco tempo atrás. Mas também no corpo masculino havia território a ser explorado. Estou falando da próstata, o “ponto G masculino”. Descobriu-se que ela reserva ao homem um orgasmo muito intenso. Não é à toa que os homossexuais sentem prazer no sexo anal. Desnecessário dizer que, até bem pouco tempo atrás, a ciência não dava a mínima para o prazer sexual dos homossexuais.
Mas, para estimular a próstata, uma glândula que fica logo à frente do reto, não é necessário forçar a entrada por esse orifício tão delicado para os machos latinos – embora haja quem afirme que um dedinho bem colocado... Ah, meu Deus, precisamos mesmo falar disso? Um outro jeito de estimular a próstata é pressionando o períneo, a área que fica entre o escroto e o ânus do homem.
Sexo no Oriente
Pressão no períneo. Ejaculação feminina. Ponto G. Tudo isso tem soado como novidade no Ocidente. Mas, no Oriente, essas coisas são mais velhas que Confúcio. Os taoístas da China conhecem o poder do períneo há três milênios – eles denominaram um ponto naquela região de o “ponto de 1 milhão de moedas de ouro”, uma referência a quanto valia o conselho de um sábio que ensinasse onde ele era. Árabes e indianos também tinham complexos manuais de sexo.
Será que isso prova que a ciência ocidental não vale nada frente à sabedoria ancestral do Oriente? Claro que não. Prova apenas que nossa sociedade relegou as pesquisas sobre prazer sexual a um segundo plano por muito tempo. Nada mais natural que, com a nova ênfase surgida nas últimas décadas e exacerbada na era do Viagra, os cientistas se interessassem em testar em laboratório as idéias sobre sexo dos sábios do Oriente.
Uma das correntes mais surpreendentes é a que se baseia no Tao, o sistema filosófico chinês simbolizado pelo símbolo do yin-yang. O fisiologista tailandês Mantak Chia é um dos autores que têm se destacado na difusão dessas técnicas sexuais. Junto com o escritor Douglas Abrams, ele ajudou a formular aquilo que os dois chamam de “kung fu sexual”. Calma, não há socos e chutes na cama, kung fu significa apenas “prática”.
A idéia básica é a de que todo mundo, inclusive os homens, é capaz de obter orgasmos múltiplos. Sim, meu caro leitor, você leu certo. Para tanto, tudo o que o sujeito tem que fazer é aprender a ter orgasmos sem ejacular. O primeiro passo para isso é fortalecer o tal músculo PC. Para saber que músculo é esse, comece a urinar. No meio da função, interrompa o fluxo. Pronto, você achou o PC. Os taoístas recomendam que homens e mulheres contraiam e relaxem o tal músculo várias vezes, sempre que lembrarem, na fila do cinema, em casa, no trabalho. Valem tanto séries de contrações curtas quanto manter o músculo tenso por alguns segundos. Os especialistas ocidentais em sexo já aceitam que um músculo PC forte realmente leva a orgasmos mais intensos e facilita o gozo de mulheres com dificuldades para chegar lá.
Mais difícil para um ocidental entender é a técnica taoísta de evitar a ejaculação na hora do orgasmo. Chia e Abrams aconselham o sujeito a parar de se movimentar alguns segundos antes, contrair o PC com força, jogar toda a “energia” do pênis para o períneo, contrair os músculos da bunda e o esfíncter e arremessar essa energia pela espinha para cima, até o crânio. Deixe a energia circulando por seu cérebro por alguns segundos, encoste a língua no palato e a libere para descer de novo por entre as sobrancelhas, pelo nariz, garganta, coração, até a barriga.
Nada disso faz muito sentido para um cientista ocidental. A palavra “energia” já provoca suficientes arrepios. Mas, seja lá o que essa técnica envolver, o fato é que ela, bem ensaiada, faz com que nenhuma gota de esperma pingue. E uma coisa os cientistas puderam constatar: medições de batimentos cardíacos mostraram que homens que dominam a técnica são capazes de ter seqüências de vários orgasmos. Mulheres que querem se tornar multiorgásticas também devem fazer o mesmo com a energia na hora de gozar.
A recusa da ejaculação tem semelhanças com as técnicas indianas de sexo tântrico, propagadas por alguns mestres de ioga. Ou “yôga”, como dizem os seguidores do Mestre De Rose, dono de uma grande franquia de escolas de ioga e popularizador desse método. De Rose é menos democrático que os taoístas. Ele acha que sexo tântrico não é para todos, apenas para pessoas “especiais”, e afirma que os interessados só podem aprender o caminho se tiverem um mestre. Mas a idéia central é a mesma: a de preservar e acumular a “energia” sexual, evitando a ejaculação e tendo orgasmos cada vez mais intensos.
Sexo na cabeça
Talvez uma possível explicação para o sucesso das técnicas orientais baseadas na “energia” esteja num outro fato recentemente aceito. O de que o sexo bom muitas vezes se resolve na cabeça, e não naquilo que está entre as pernas. A bem da verdade, isso não é tão novidade assim. Nosso amigo Masters, já nos anos 50, culpava a educação repressora das jovens americanas pela dificuldade de se chegar ao orgasmo.
Encontrei num simpático par de livros escritos nos anos 50 por um médico americano chamado Harold Shryock um bom exemplo do que Masters chamava de “repressão”. Os livros são O Moço e Seus Problemas, envolto em capa azul-clara, e A Moça e Seus Problemas, de capa cor-de-rosa. Na versão masculina do livro, Shryock diz que “a masturbação não deve ser praticada. Ela consome a reserva de força vital, deixando o indivíduo cansado, apático e alquebrado”.
O livro das moças dedica mais páginas a criticar a masturbação e o faz com um tom mais apavorante. Afirma que, para evitar os “efeitos trágicos” da masturbação, é importante que a adolescente não passe muito tempo sozinha. Shryock chega a dizer que as jovens masturbadoras ficam privadas “de grande parte da alegria de viver”.
Não é de estranhar que jovens educados com essas lições vejam o sexo com pouca naturalidade e que sintam culpa por ter prazer. Pesquisas mostram que meninas repreendidas na tenra infância quando punham a mão sobre o sexo – um ato de natural curiosidade – tendem a gozar menos na vida adulta. Hoje, 30% das mulheres brasileiras raramente chegam ao orgasmo.
A ejaculação precoce também tem sido vista como uma filha da repressão. Garotos acostumados a se masturbar trancados em banheiros, prendendo a respiração, assustados com a possibilidade de chegar alguém, tendem a aprender a gozar rápido – e a estabelecer a rapidez como um padrão para sua vida sexual futura.
É por isso que psicoterapia tem sido vista como uma forma eficiente de combater esses males – e os problemas sexuais em geral. Para as mulheres anorgásticas, recomenda-se relaxar, focar menos no orgasmo e aproveitar o caminho. Os ejaculadores precoces devem fazer o contrário do que aconselha a sabedoria popular (pensar num jogo de futebol ou cantar mentalmente o hino nacional). Eles se sairão melhor se concentrarem-se na relação sexual, focando sua atenção no prazer e buscando o controle.
Com tantos males causados pela repressão ao sexo, é natural que os terapeutas sexuais do mundo repitam sempre a mesma ladainha: fale mais sobre sexo. Isso vale para a educação das crianças, que não podem crescer achando que fazer sexo é errado. E vale, muito, para as relações: as ficadas, os namoros, os casamentos. “Mesmo que você esteja com o parceiro há 20 anos, não significa que sabe tudo sobre ele”, diz o psicólogo Paul Joannides, autor do best seller Prazer e Emoção, um guia de sexo que se autodefine como o mais legal que existe. Parceiros devem dizer um ao outro do que gostam – e do que não gostam. “E não vá achando que você vai aprender tudo em uma noite”, diz o escritor.
Para que tanto sexo?
Bill Masters morreu em 2001, com 85 anos. Seu legado está exposto acima. Cinqüenta anos depois de suas pesquisas pioneiras com pênis de plástico, remédios resolvem impotência, a fisiologia feminina foi mapeada, a ciência passou a olhar a sério para as práticas sexuais do Oriente. Fala-se cada vez mais abertamente sobre sexo. Em resumo, o mundo está melhor. Será?
“A pesquisa de Masters era basicamente sobre novos modos de medir a performance física – o que ajudou a nos colocar no caminho da pesquisa do sexo mecânico: a viagrificação das relações sexuais”, escreveu Leonore Tiefer, talvez a maior sexóloga viva, que apelidou Masters de “Vasco da Gama da vagina interior”. Leonore é uma feminista e está incomodada com os rumos do mundo. Mas... Uma feminista criticando o legado de Masters? Não foi ele que transformou o orgasmo em um direito da mulher? “A confiança de Masters na biologia evoluiu para uma forma bem americana de pressão pela performance sexual – pelo orgasmo a qualquer custo”, afirma ela. Orgasmo não é mais um direito. É um dever.
As manchetes nas revistas, todos os meses anunciando uma novidade imperdível, vão virando imposições. É como se a mulher incapaz de gozar fosse menos mulher – inadequada, ultrapassada, reprimida. O homem que não tem orgasmos múltiplos ou não é tântrico é um inapto. Pessoas com vidas sexuais normais e satisfatórias têm visitado terapeutas reclamando que não conseguem ter orgasmos simultâneos. A cobrança vai enchendo os relacionamentos de mágoa e tirando a naturalidade do sexo. Homens ficam frustrados ao não verem suas parceiras ejacularem, como nos livros. As mulheres os acusam de não serem eficientes na estimulação do seu ponto G. A busca de prazeres cada vez maiores, de orgasmos novos e mais estremecedores virou uma corrida. E criou um novo problema sexual.
Problema que adquire dimensões trágicas em fenômenos como a proliferação das clínicas de cirurgia para aumentar o pênis. “Nunca vi um caso bem-sucedido de cirurgia para aumento peniano”, diz Eric Wroclawski, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia. “Vejo sim pacientes com cicatrizes horrorosas, que perderam a sensibilidade.” As cirurgias, que implicam ou a adição de tecido gorduroso na glande, para aumentar seu volume, ou a soltura da base do pênis, para que ele fique mais “para fora”, têm inúmeros efeitos colaterais. Entre eles, a perda do vigor da ereção e a sensação de que o pênis está “solto” do corpo.
Tudo isso se deve em parte à confiança exacerbada que se espalhou pelo mundo na era do Viagra. Ficou parecendo que, com os avanços da ciência, tudo é possível. Que todos os problemas sexuais têm solução. A verdade é que, embora a ciência do sexo seja fascinante, aquilo que acontece na cama, entre duas pessoas, não mudou tanto assim. “As pessoas estão lutando com as mesmas questões de sempre. Sexo está tão difícil quanto sempre foi”, diz Joannides.
E talvez a solução para a maior parte dos problemas sexuais seja aquela conhecida desde que o mundo é mundo. “O importante em sexo é não ser egoísta. Você tem que prestar atenção no outro”, diz Maria do Carmo. É dessa atenção mútua que a obsessão por performance pode nos afastar. Orgasmo é bom. Mas é só um dos momentos da relação sexual. O foco total no clímax vai tirando o prazer da descoberta, da experimentação, que são as chaves de uma vida sexual feliz.
Sexo se faz a dois (ok, não necessariamente a dois, pode ser a três ou quatro). Normalmente é num quarto fechado, longe do debate público, das promessas da indústria farmacêutica, dos ensinamentos dos mestres da ioga, das pesquisas dos laboratórios, desta Super que vos fala. O que acontece por lá é assunto só seu e de quem está com você. Se o Viagra ou o kung fu sexual tornam aquilo mais gostoso e mais satisfatório, ótimo. Se você tem prazer sem nada disso, parabéns. Se não faz sexo nunca ou quase nunca, mas tira de algum outro lugar o conforto para seguir vivendo sem muito estresse – como acontece com muitas pessoas sincera e profundamente religiosas ou com aqueles que se satisfazem com orgasmos intelectuais –, fique à vontade. Já passamos tempo demais tendo que ouvir os outros nos dizerem o que fazer na cama.

Uma homenagem a Carlos Zéfiro

Nos anos 50, enquanto Masters fazia seus experimentos nos Estados Unidos, pouco se falava de sexo no Brasil. Pelo menos aparentemente. na clandestinidade, circulando de mão em mão, um gênero de literatura ilegal fazia tanto sucesso que envolvia tiragens somadas de vários milhões. Eram as "revistinhas de sacanagem", histórias em quadrinhos extremamente explícitas assinadas com pseudônimos. O melhor e mais famoso desses autores clandestinos era Carlos Zéfiro, que desenhou as cenas que ilustram esta reportagem. só em 1991 descobriu-se a identidade do famoso anônimo: Zéfiro na verdade era o funcionário público Alcides Caminha. Em tempos de mais abertura sexual, ele decidiu finalmente ir a público e colher os louros da fama. Alcides morreu no ano seguinte, vítima de um derrame cerebral.

"A BÍBLIA" O LIVRO MAIS INFLUENTE DE TODOS OS TEMPOS


Quem escreveu a Bíblia?


A história de Deus foi escrita pelos homens. Mas quem é o autor do livro mais influente de todos os tempos? As respostas são surpreendentes - e vão mudar sua maneira de ver as Escrituras






Texto por José Francisco Botelho

Em algum lugar do Oriente Médio, por volta do século 10 a.C., uma pessoa decidiu escrever um livro. Pegou uma pena, nanquim e folhas de papiro (uma planta importada do Egito) e começou a contar uma história mágica, diferente de tudo o que já havia sido escrito. Era tão forte, mas tão forte, que virou uma obsessão. Durante os 1 000 anos seguintes, outras pessoas continuariam reescrevendo, rasurando e compilando aquele texto, que viria a se tornar o maior best seller de todos os tempos: a Bíblia. Ela apresentou uma teoria para o surgimento do homem, trouxe os fundamentos do judaísmo e do cristianismo, influenciou o surgimento do islã, mudou a história da arte – sem a Bíblia, não existiriam os afrescos de Michelangelo nem os quadros de Leonardo da Vinci – e nos legou noções básicas da vida moderna, como os direitos humanos e o livre-arbítrio. Mas quem escreveu, afinal, o livro mais importante que a humanidade já viu? Quem eram e o que pensavam essas pessoas? Como criaram o enredo, e quem ditou a voz e o estilo de Deus? O que está na Bíblia deve ser levado ao pé da letra, o que até hoje provoca conflitos armados? A resposta tradicional você já conhece: segundo a tradição judaico-cristã, o autor da Bíblia é o próprio Todo-Poderoso. E ponto final. Mas a verdade é um pouco mais complexa que isso.
A própria Igreja admite que a revelação divina só veio até nós por meio de mãos humanas. A palavra do Senhor é sagrada, mas foi escrita por reles mortais. Como não sobraram vestígios nem evidências concretas da maioria deles, a chave para encontrá-los está na própria Bíblia. Mas ela não é um simples livro: imagine as Escrituras como uma biblioteca inteira, que guarda textos montados pelo tempo, pela história e pela fé. Aliás, o termo “Bíblia”, que usamos no singular, vem do plural grego ta biblia ta hagia – “os livros sagrados”. A tradição religiosa sempre sustentou que cada livro bíblico foi escrito por um autor claramente identificável. Os 5 primeiros livros do Antigo Testamento (que no judaísmo se chamam Torá e no catolicismo Pentateuco) teriam sido escritos pelo profeta Moisés por volta de 1200 a.C. Os Salmos seriam obra do rei Davi, o autor de Juízes seria o profeta Samuel, e assim por diante. Hoje, a maioria dos estudiosos acredita que os livros sagrados foram um trabalho coletivo. E há uma boa explicação para isso.
As histórias da Bíblia derivam de lendas surgidas na chamada Terra de Canaã, que hoje corresponde a Líbano, Palestina, Israel e pedaços da Jordânia, do Egito e da Síria. Durante séculos acreditou-se que Canaã fora dominada pelos hebreus. Mas descobertas recentes da arqueologia revelam que, na maior parte do tempo, Canaã não foi um Estado, mas uma terra sem fronteiras habitada por diversos povos – os hebreus eram apenas uma entre muitas tribos que andavam por ali. Por isso, sua cultura e seus escritos foram fortemente influenciadas por vizinhos como os cananeus, que viviam ali desde o ano 5000 a.C. E eles não foram os únicos a influenciar as histórias do livro sagrado.
As raízes da árvore bíblica também remontam aos sumérios, antigos habitantes do atual Iraque, que no 3o milênio a.C. escreveram a Epopéia de Gilgamesh. Essa história, protagonizada pelo semideus Gilgamesh, menciona uma enchente que devasta o mundo (e da qual algumas pessoas se salvam construindo um barco). Notou semelhanças com a Bíblia e seus textos sobre o dilúvio, a arca de Noé, o fato de Cristo ser humano e divino ao mesmo tempo? Não é mera coincidência. “A Bíblia era uma obra aberta, com influências de muitas culturas”, afirma o especialista em história antiga Anderson Zalewsky Vargas, da UFRGS.
Foi entre os séculos 10 e 9 a.C. que os escritores hebreus começaram a colocar essa sopa multicultural no papel. Isso aconteceu após o reinado de Davi, que teria unificado as tribos hebraicas num pequeno e frágil reino por volta do ano 1000 a.C. A primeira versão das Escrituras foi redigida nessa época e corresponde à maior parte do que hoje são o Gênesis e o Êxodo. Nesses livros, o tema principal é a relação passional (e às vezes conflituosa) entre Deus e os homens. Só que, logo no começo da Beeblia, já existiu uma divergência sobre o papel do homem e do Senhor na história toda. Isso porque o personagem principal, Deus, é tratado por dois nomes diferentes.
Em alguns trechos ele é chamado pelo nome próprio, Yahweh – traduzido em português como Javé ou Jeová. É um tratamento informal, como se o autor fosse íntimo de Deus. Em outros pontos, o Todo-Poderoso é chamado de Elohim, um título respeitoso e distante (que pode ser traduzido simplesmente como “Deus”). Como se explica isso? Para os fundamentalistas, não tem conversa: Moisés escreveu tudo sozinho e usou os dois nomes simplesmente porque quis. Só que um trecho desse texto narra a morte do próprio Moisés. Isso indica que ele não é o único autor. Os historiadores e a maioria dos religiosos aceitam outra teoria: esses textos tiveram pelo menos outros dois editores.
Acredita-se que os trechos que falam de Javé sejam os mais antigos, escritos numa época em que a religiosidade era menos formal. Eles contêm uma passagem reveladora: antes da criação do mundo, “Yahweh não derramara chuva sobre a terra, e nem havia homem para lavrar o solo”. Essa frase, “não havia homem para lavrar o solo”, indica que, na primeira versão da Bíblia, o homem não era apenas mais uma criação de Deus – ele desempenha um papel ativo e fundamental na história toda. “Nesse relato, o homem é co-criador do mundo”, diz o teólogo Humberto Gonçalves, do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, no Rio Grande do Sul.
Pelo nome que usa para se referir a Deus (Javé), o autor desses trechos foi apelidado de Javista. Já o outro autor, que teria vivido por volta de 850 a.C., é apelidado de Eloísta. Mais sisudo e religioso, ele compôs uma narrativa bastante diferente. Ao contrário do Deus-Javé, que fez o mundo num único dia, o Deus-Elohim levou 6 (e descansou no 7o). Nessa história, a criação é um ato exclusivo de Deus, e o homem surge apenas no 6o dia, junto aos animais.
Tempos mais tarde, os dois relatos foram misturados por editores anônimos – e a narrativa do Eloísta, mais comportada, foi parar no início das Escrituras. Começando por aquela frase incrivelmente simples e poderosa, notória até entre quem nunca leu a Bíblia: “E, no início, Deus criou o céu e a terra...”
Em 589 a.C., Jerusalém foi arrasada pelos babilônios, e grande parte da população foi aprisionada e levada para o atual Iraque. Décadas depois, os hebreus foram libertados por Ciro, senhor do Império Persa – um conquistador “esclarecido”, que tinha tolerância religiosa. Aos poucos, os hebreus retornaram a Canaã – mas com sua fé transformada. Agora os sacerdotes judaicos rejeitavam o politeísmo e diziam que Javé era o único e absoluto deus do Universo. “O monoteísmo pode ter surgido pelo contato com os persas – a religião deles, o masdeísmo, pregava a existência de um deus bondoso, Ahura Mazda, em constante combate contra um deus maligno, Arimã. Essa noção se reflete até na idéia cristã de um combate entre Deus e o Diabo”, afirma Zalewsky, da UFRGS.
A versão final do Pentateuco surgiu por volta de 389 a.C. Nessa época, um religioso chamado Esdras liderou um grupo de sacerdotes que mudaram radicalmente o judaísmo – a começar por suas escrituras. Eles editaram os livros anteriores e escreveram a maior parte dos livros Deuteronômio, Números, Levítico e também um dos pontos altos da Bíblia: os 10 Mandamentos. Além de afirmar o monoteísmo sem sombra de dúvidas (“amarás a Deus acima de todas as coisas” é o primeiro mandamento), a reforma conduzida por Esdras impunha leis religiosas bem rígidas, como a proibição do casamento entre hebreus e não-hebreus. Algumas das leis encontradas no Levítico se assemelham à ética moderna dos direitos humanos: “Se um estrangeiro vier morar convosco, não o maltrates. Ama-o como se fosse um de vós”.
Outras passagens, no entanto, descrevem um Senhor belicoso, vingativo e sanguinário, que ordena o extermínio de cidades inteiras – mulheres e crianças incluídas. “Se a religião prega a compaixão, por que os textos sagrados têm tanto ódio?”, pergunta a historiadora americana Karen Armstrong, autora de um novo e provocativo estudo sobre a Bíblia. Para os especialistas, a violência do Antigo Testamento é fruto dos séculos de guerras com os assírios e os babilônios. Os autores do livro sagrado foram influenciados por essa atmosfera de ódio, e daí surgiram as histórias em que Deus se mostra bastante violento e até cruel. Os redatores da Bíblia estavam extravasando sua angústia.
Por volta do ano 200 a.C., o cânone (conjunto de livros sagrados) hebraico já estava finalizado e começou a se alastrar pelo Oriente Médio. A primeira tradução completa do Antigo Testamento é dessa época. Ela foi feita a mando do rei Ptolomeu 2o em Alexandria, no Egito, grande centro cultural da época. Segundo uma lenda, essa tradução (de hebraico para grego) foi realizada por 72 sábios judeus. Por isso, o texto é conhecido como Septuaginta. Além da tradução grega, também surgiram versões do Antigo Testamento no idioma aramaico – que era uma espécie de língua franca do Oriente Médio naquela época.
Dois séculos mais tarde, a Bíblia em aramaico estava bombando: ela era a mais lida na Judéia, na Samária e na Galiléia (províncias que formam os atuais territórios de Israel e da Palestina). Foi aí que um jovem judeu, grande personagem desta história, começou a se destacar. Como Sócrates, Buda e outros pensadores que mudaram o mundo, Jesus de Nazaré nada deixou por escrito – os primeiros textos sobre ele foram produzidos décadas após sua morte.
E o cristianismo já nasceu perseguido: por se recusarem a cultuar os deuses oficiais, os cristãos eram considerados subversivos pelo Império Romano, que dominava boa parte do Oriente Médio desde o século 1 a.C. Foi nesse clima de medo que os cristãos passaram a colocar no papel as histórias de Jesus, que circulavam em aramaico e também em coiné – um dialeto grego falado pelos mais pobres. “Os cristãos queriam compreender suas origens e debater seus problemas de identidade”, diz o teólogo Paulo Nogueira, da Universidade Metodista de São Paulo. Para fazer isso, criaram um novo gênero literário: o evangelho. Esse termo, que vem do grego evangélion (“boa-nova”), é um tipo de narrativa religiosa contando os milagres, os ensinamentos e a vida do Messias.
A maioria dos evangelhos escritos nos séculos 1 e 2 desapareceu. Naquela época, um “livro” era um amontoado de papiros avulsos, enrolados em forma de pergaminho, podendo ser facilmente extraviados e perdidos. Mas alguns evangelhos foram copiados e recopiados à mão, por membros da Igreja. Até que, por volta do século 4, tomaram o formato de códice – um conjunto de folhas de couro encadernadas, ancestral do livro moderno. O problema é que, a essa altura do campeonato, gerações e gerações de copiadores já haviam introduzido alterações nos textos originais – seja por descuido, seja de propósito. “Muitos erros foram feitos nas cópias, erros que às vezes mudaram o sentido dos textos. Em certos casos, tais erros foram também propositais, de acordo com a teologia do escrivão”, afirma o padre e teólogo Luigi Schiavo, da Universidade Católica de Goiás. Quer ver um exemplo?
Sabe aquela famosa cena em que Jesus salva uma adúltera prestes a ser apedrejada? De acordo com especialistas, esse trecho foi inserido no Evangelho de João por algum escriba, por volta do século 3. Isso porque, na época, o cristianismo estava cortando seu cordão umbilical com o judaísmo. E apedrejar adúlteras é uma das leis que os sacerdotes-escritores judeus haviam colocado no Pentateuco. A introdução da cena em que Jesus salva a adúltera passa a idéia de que os ensinamentos de Cristo haviam superado a Torá – e, portanto, os cristãos já não precisavam respeitar ao pé da letra todos os ensinamentos judeus.
A julgar pelo último livro da Bíblia cristã, o Apocalipse (que descreve o fim do mundo), o receio de ter suas narrativas “editadas” era comum entre os autores do Novo Testamento. No versículo 18, lê-se uma terrível ameaça: “Se alguém fizer acréscimos às páginas deste livro, Deus o castigará com as pragas descritas aqui”. Essa ameaça reflete bem o clima dos primeiros séculos do cristianismo: uma verdadeira baderna teológica, com montes de seitas defendendo idéias diferentes sobre Deus e o Messias. A seita dos docetas, por exemplo, acreditava que Jesus não teve um corpo físico. Ele seria um espírito, e sua crucificação e morte não passariam – literalmente – de ilusão de ótica. Já os ebionistas acreditavam que Jesus não nascera Filho de Deus, mas fora adotado, já adulto, pelo Senhor. A primeira tentativa de organizar esse caos das Escrituras ocorreu por volta de 142 – e o responsável não foi um clérigo, mas um rico comerciante de navios chamado Marcião.
A Bíblia segundo Marcião
Ele nasceu na atual Turquia, foi para Roma, converteu-se ao cristianismo, virou um teólogo influente e resolveu montar sua própria seleção de textos sagrados. A Bíblia de Marcião era bem diferente da que conhecemos hoje. Isso porque ele simpatizava com uma seita cristã hoje desaparecida, o gnosticismo. Para os gnósticos, o Deus do Velho Testamento não era o mesmo que enviara Jesus – na verdade, as duas divindades seriam inimigas mortais. O Deus hebraico era monstruoso e sanguinário, e controlava apenas o mundo material. Já o universo espiritual seria dominado por um Deus bondoso, o pai de Jesus. A Bíblia editada por Marcião continha apenas o Evangelho de João, 11 cartas de Paulo e nenhuma página do Velho Testamento. Se as idéias de Marcião tivessem triunfado, hoje as histórias de Adão e Eva no paraíso, a arca de Noé e a travessia do mar Vermelho não fariam parte da cultura ocidental. Mas, por volta de 170, o gnosticismo foi declarado proibido pelas autoridades eclesiásticas, e o primeiro editor da Bíblia cristã acabou excomungado.
Roma, até então pior inimiga dos cristãos, ia se rendendo à nova fé. Em 313, o imperador romano Constantino se aliou à Igreja. Ele pretendia usar a força crescente da nova religião para fortalecer seu império. Para isso, no entanto, precisava de uma fé una e sólida. A pressão de Constantino levou os mais influentes bispos cristãos a se reunirem no Concílio de Nicéia, em 325, para colocar ordem na casa de Deus. Ali, surgiu o cânone do cristianismo – a lista oficial de livros que, segundo a Igreja, realmente haviam sido inspirados por Deus.
“A escolha também era política. Um grupo afirmou seu poder e autoridade sobre os outros”, diz o padre Luigi. Esse grupo era o dos cristãos apostólicos, que ganharam poder ao se aliar com o Império Romano. Os apostólicos eram, por assim dizer, o “partido do governo”. E por isso definiram o que iria entrar, ou ser eliminado, das Escrituras.
Eles escolheram os evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João para representar a biografia oficial de Cristo, enquanto as invenções dos docetas, dos ebionistas e de outras seitas foram excluídas, e seus autores declarados hereges. Os textos excluídos do cânone ganharam o nome de “apócrifos” – palavra que vem do grego apocrypha, “o que foi ocultado”. A maioria dos apócrifos se perdeu – afinal de contas, os escribas da Igreja não estavam interessados em recopiá-los para a posteridade. Mas, com o surgimento da arqueologia, no século 19, pedaços desses textos foram encontrados nas areias do Oriente Médio. É o caso de um polêmico texto encontrado em 1886 no Egito. Ele é assinado por uma certa “Maria” que muitos acreditam ser a Madalena, discípula de Jesus, presente em vários trechos do Novo Testamento. O evangelho atribuído a ela é bem feminista: Madalena é descrita como uma figura tão importante quanto Pedro e os outros apóstolos. Nos primórdios do cristianismo, as mulheres eram aceitas no clero – e eram, inclusive, consideradas capazes de fazer profecias. Foi só no século 3 que o sacerdócio virou monopólio masculino, o que explicaria a censura da apóstola e seu testemunho. Aliás, tudo indica que Madalena não foi prostituta – idéia que teria surgido por um erro na interpretação do livro sagrado. No ano 591, o papa Gregório fez um sermão dizendo que Madalena e outra mulher, também citada nas Escrituras e essa sim ex-pecadora, na verdade seriam a mesma pessoa (em 1967, o Vaticano desfez o equívoco, limpando a reputação de Maria).
Na evolução da Bíblia, foram aparecendo vários trechos machistas – e suspeitos. É o caso de uma passagem atribuída ao apóstolo Paulo: “A mulher aprenda (...) com toda a sujeição. Não permito à mulher que ensine, nem que tenha domínio sobre o homem (...) porque Adão foi formado primeiro, e depois Eva”. É provável que Paulo jamais tenha escrito essas palavras – porque, na época em que ele viveu, o cristianismo não pregava a submissão da mulher. Acredita-se que essa parte tenha sido adicionada por algum escriba por volta do século 2.
Após a conversão do imperador Constantino, o eixo do cristianismo se deslocou do Oriente Médio para Roma. Só que, para completar a romanização da fé, faltava um passo: traduzir a palavra de Deus para o latim. A missão coube ao teólogo Eusebius Hyeronimus, que mais tarde viria a ser canonizado com o nome de são Jerônimo. Sob ordens do papa Damaso, ele viajou a Jerusalém em 406 para aprender hebraico e traduzir o Antigo e o Novo Testamento. Não foi nada fácil: o trabalho durou 17 anos.
Daí saiu a Vulgata, a Bíblia latina, que até hoje é o texto oficial da Igreja Católica. Essa é a Bíblia que todo mundo conhece. “A Vulgata foi o alicerce da Igreja no Ocidente”, explica o padre Luigi. Ela é tão influente, mas tão influente, que até seus erros de tradução se tornaram clássicos. Ao traduzir uma passagem do Êxodo que descreve o semblante do profeta Moisés, são Jerônimo escreveu em latim: cornuta esse facies sua, ou seja, “sua face tinha chifres”. Esse detalhe esquisito foi levado a sério por artistas como Michelangelo – sua famosa escultura representando Moisés, hoje exposta no Vaticano, está ornada com dois belos corninhos. Tudo porque Jerônimo tropeçou na palavra hebraica karan, que pode significar tanto “chifre” quanto “raio de luz”. A tradução correta está na Septuaginta: o profeta tinha o rosto iluminado, e não chifrudo. Apesar de erros como esse, a Vulgata reinou absoluta ao longo da Idade Média – durante séculos, não houve outras traduções.
O único jeito de disseminar o livro sagrado era copiá-lo à mão, tarefa realizada pelos monges copistas. Eles raramente saíam dos mosteiros e passavam a vida copiando e catalogando manuscritos antigos. Só que, às vezes, também se metiam a fazer o papel de autores.
Após a queda do Império Romano, grande parte da literatura da Antiguidade grega e romana se perdeu – foi graças ao trabalho dos monges copistas que livros como a Ilíada e a Odisséia chegaram até nós. Mas alguns deles eram meio malandros: costumavam interpolar textos nas Escrituras Sagradas para agradar a reis e imperadores. No século 15, por exemplo, monges espanhóis trocaram o termo “babilônios” por “infiéis” no texto do Antigo Testamento – um truque para atacar os muçulmanos, que disputavam com os espanhóis a posse da península Ibérica.
Escrituras em série
Tudo isso mudou após a invenção da imprensa, em 1455. Agora ninguém mais dependia dos copistas para multiplicar os exemplares da Bíblia. Por isso, o grande foco de mudanças no texto sagrado passou a ser outro: as traduções.Em 1522, o pastor Martinho Lutero usou a imprensa para divulgar em massa sua tradução da Bíblia, que tinha feito direto do hebraico e do grego para o alemão. Era a primeira vez que o texto sagrado era vertido numa língua moderna – e a nova versão trouxe várias mudanças, que provocavam a Igreja (veja quadro na pág. 65). Logo depois um britânico, William Tyndale, ousou traduzir a Bíblia para o inglês. No Novo Testamento, ele traduziu a palavra ecclesia por “congregação”, em vez de “igreja”, o termo preferido pelas traduções católicas. A mudança nessa palavrinha era um desafio ao poder dos papas: como era protestante, Tyndale tinha suas diferenças com a Igreja. Resultado? Ele foi queimado como herege em 1536. Mas até hoje seu trabalho é referência para as versões inglesas do livro sagrado.
A Bíblia chegou ao nosso idioma em 1753 – quando foi publicada sua primeira tradução completa para o português, feita pelo protestante João Ferreira de Almeida. Hoje, a tradução considerada oficial é a feita pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e lançada em 2001. Ela é considerada mais simples e coloquial que as traduções anteriores. De lá para cá, a Bíblia ganhou o mundo e as línguas. Já foi vertida para mais de 300 idiomas e continua um dos livros mais influentes do mundo: todos os anos, são publicadas 11 milhões de cópias do texto integral, e 14 milhões só do Novo Testamento.
Depois de tantos séculos de versões e contra-versões, ainda não há consenso sobre a forma certa de traduzi-la. Alguns buscam traduções mais próximas do sentido e da época original – como as passagens traduzidas do hebraico pelo lingüista David Rosenberg na obra O Livro de J, de 1990. Outros acham que a Bíblia deve ser modernizada para atrair leitores. O lingüista Eugene Nida, que verteu a Bíblia na década de 1960, chegou ao extremo de traduzir a palavra “sestércios”, a antiga moeda romana, por “dólares”. Em 2008, duas versões igualmente ousadas estão agitando as Escrituras: a Green Bible (“Bíblia Verde”, ainda sem versão em português), que destaca 1 000 passagens relacionadas à ecologia – como o momento em que Jó fala sobre os animais –, e a Bible Illuminated (‘Bíblia Iluminada”, em inglês), com design ultramoderno e fotos de celebridades como Nelson Mandela e Angelina Jolie.
A Bíblia se transforma, mas uma coisa não muda: cada pessoa, ou grupo de pessoas, a interpreta de uma maneira diferente – às vezes, com propósitos equivocados. Em pleno século 21, pastores fundamentalistas tentam proibir o ensino da Teoria da Evolução nas escolas dos EUA, sendo que a própria Igreja aceita as teorias de Darwin desde a década de 1950. Líderes como o pastor Jerry Falwell defendem o retorno da escravidão e o apedrejamento de adúlteros, e no Oriente Médio rabinos extremistas usam trechos da Torá para justificar a ocupação de terras árabes. Por quê? Porque está na Bíblia, dizem os radicais. Não é nada disso. Hoje, os principais estudiosos afirmam que a Bíblia não deve ser lida como um manual de regras literais – e sim como o relato da jornada, tortuosa e cheia de percalços, do ser humano em busca de Deus. Porque esse é, afinal, o verdadeiro sentido dessa árvore de histórias regada há 3 mil anos por centenas de mãos, cabeças e corações humanos: a crença num sentido transcendente da existência.

Top 5 pragas

I. Quando os hebreus eram escravos no Egito, o Senhor enviou 10 pragas contra os opressores do povo escolhido. A primeira delas foi transformar toda a água do país em sangue (Êxodo 7:21).
II. Como o faraó não libertava os hebreus, o Senhor radicalizou: matou, numa só noite, todos os primogênitos do Egito. “E houve grande clamor no país, pois não havia casa onde não houvesse um morto” (Êxodo 12:30).
III. Desgostoso com os pecados de Sodoma e Gomorra, Deus destruiu as duas cidades com uma chuvarada de fogo e enxofre (Gênesis 19:24).
IV. Para punir as deso­bediências do rei Davi, o Senhor enviou uma doença não identificada, que matou 70 mil homens e 200 mil mulheres e crianças (2 Samuel, 24: 1-13).
V. Quando a nação dos filisteus roubou a arca da Aliança, onde estavam guardados os 10 Mandamentos, o Senhor os castigou com um surto de hemorróidas letais. “Os intestinos lhes saíam para fora e apodreciam” (1 Samuel 5:9) .

Os possíveis autores

1200 a.C. - Moisés
Segundo uma lenda judaica, a Torá (obra precursora da Bíblia) teria sido escrita por ele. Mas há controvérsias, pois existe um trecho da Torá que diz: “Moisés morreu e foi sepultado pelo Senhor próximo a Fegor”. Ora, se Moisés é o autor do texto, como ele poderia ter relatado a própria morte?
1000 a.C. - Javista
Viveu na corte do rei Davi, no antigo reino de Israel, e era um aristocrata. Ou, quem sabe, uma aristocrata: para o crítico Harold Bloom, Javista era mulher. Isso porque os personagens femininos da Bíblia (Eva e Sara, por exemplo) são muito mais elaborados que os masculinos.
Século 4 a.C. - Esdras
Líder religioso que reformou o judaísmo e possível editor do Pentateuco (5 primeiros livros da Bíblia). Vários trechos bíblicos editados por ele pregam a violência: “Derrubareis todos os altares dos povos que ides expropriar, queimareis as casas, e mudareis os nomes desses lugares”.
Século 1 - Paulo
Nunca viu Cristo pessoalmente, mas foi o primeiro a escrever sobre ele. Nascido na Turquia, Paulo viajou e fundou igrejas pelo Oriente Médio. Ele escrevia cartas para essas igrejas, contando a incrível aventura de um tal Jesus – que foi crucificado e ressuscitou.
Século 1 - Maria Madalena
Estava entre os discípulos favoritos de Jesus – e, diferentemente do que o Vaticano sustentou durante séculos, nunca foi prostituta. Pelo contrário: tinha influência no cristianismo e é a suposta autora do Apócrifo de Maria, um livro em que fala sobre sua relação pessoal com Jesus e divulga os ensinamentos dele.
Século 1 - João
Escreveu o 4o evangelho do Novo Testamento (João) e o Livro do Apocalipse, o último da Bíblia. Para ele, Jesus não é apenas um messias – é um ser sobrenatural, a própria encarnação de Deus. Essa interpretação mística marca a ruptura definitiva entre judaísmo e fé cristã.
Século 5 - Jerônimo
Nascido no território da atual Hungria, este padre foi enviado a Jerusalém com uma missão importantíssima: traduzir a Bíblia do grego para o latim. Cometeu alguns erros, como dizer que o profeta Moisés tinha chifres (uma confusão com a palavra hebraica karan, que na verdade significa “raio de luz”).
Século 16 - William Tyndale
Possuir trechos da Bíblia em qualquer idioma que não fosse o latim era crime. O professor Tyndale não quis nem saber, traduziu tudo para o inglês, e acabou na fogueira. Mas seu trabalho foi incrivelmente influente: é a base da chamada “Bíblia do Rei James”, até hoje a tradução mais lida nos países de língua inglesa.

Top 5 matanças

I. Um grupo de meninos malcriados zombou da calvície do profeta Eliseu. Pra quê! Na hora, dois ursos famintos saíram de um bosque e comeram as crianças (2 Reis 2:24).
II. Cercado por um exército de filisteus, o herói Sansão apanhou a mandíbula de um jumento morto. Usando o osso como arma, ele massacrou mil inimigos (Juízes, 15:16).
III. O profeta Elias convidou os sacerdotes do deus Baal para uma competição de orações. Era uma armadilha: Elias incitou o povo, que linchou os pagãos (1 Reis 18:40).
VI. Os judeus haviam perdido a fé e começaram a adorar um bezerro de ouro. Moisés ficou furioso e mandou sacerdotes levitas matar 3 mil infiéis (Êxodo 32:19).
V. A nação dos amalequitas disputava o território de Canaã com os judeus. O Senhor ordena que todos os amalequitas sejam chacinados (1 Samuel 15:18).

Top 5 satanagens

I. Após a destruição de Sodoma, os únicos sobreviventes eram Ló e suas duas filhas. As filhas de Lot embebedaram o pai e tiveram com ele a noite mais incestuosa da Bíblia (Gênesis 19:31).
II. O Cântico dos Cânticos, atribuído ao rei Salomão, é altamente erótico. Um dos trechos: “Teu corpo é como a palmeira, e teus seios, como cachos de uvas” (Cânticos 7:7).
III. Os anjos do Senhor tiveram chamegos ilícitos com mulheres mortais. “Vendo os Filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas, tomaram-nas como mulheres, tantas quanto desejaram” (Gênesis 6:2).
IV. A Bíblia diz que os antigos egípcios eram muito bem-dotados. Após a fuga para Canaã, a judia Ooliba tem saudades dos tempos em que se prostituía no Egito. Tudo porque “seus amantes (...) ejaculavam como cavalos” (Ezequiel 23:20).
V. O hebreu Onã casou com a viúva de seu irmão, mas não conseguia fazer sexo com ela – preferia o prazer solitário. Do nome dele vem o termo “onanismo”, que significa masturbação (Gênesis 38:9).

As história da história

Como o livro sagrado evoluiu ao longo dos tempos
Tanach - Século 5 a.C.
É a Bíblia judaica, e tem 3 livros: Torá (palavra hebraica que significa “lei”), Nebiim (“profetas”) e Ketuvim (“escritos”). É parecida com a Bíblia atual, pois os católicos copiaram seus escritos. Contém as sementes do monoteísmo e da ética religiosa, mas também pregações de violência. A primeira das bíblias tem trechos ambíguos e misteriosos – algumas passagens dão a entender que Javé não é o único deus do Universo.
Septuaginta - Século 3 a.C.
O Oriente Médio era dominado pelos gregos e pelos macedônios. Muitos judeus viviam em cidades de cultura grega, como Alexandria, e desejavam adaptar sua religião aos novos tempos. Diz a lenda que Ptolomeu, rei do Egito, reuniu um grupo de 72 sábios judeus para traduzir a Tanach – e fizeram tudo em 72 dias. Por isso, o resultado é conhecido como Septuaginta. Inclui textos que não constam da Tanach.
Novo Testamento - Século 1
A língua do Antigo Testamento é o hebraico, mas o Novo Testamento foi escrito num dialeto grego chamado coiné. Contém os relatos sobre vida, milagres, morte e ressurreição de Jesus – os evangelhos. Em alguns trechos, vai deixando evidente a divergência entre cristianismo e judaísmo. É o caso, por exemplo, do Evangelho de João, em que Jesus é descrito como uma encarnação de Deus (coisa na qual os judeus não acreditavam).
Católica - Século 4
Seus autores decidiram incluir 7 livros que os judeus não reconheciam. São os chamados Deuterocanônicos: Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruque, Macabeus 1 e 2 (mais trechos dos livros Daniel e Ester). A Bíblia católica bate na tecla do monoteísmo: a palavra hebraica Elohim, usada na Tanach para designar a divindade, é o plural de El, um deus cananeu. Mas foi traduzida no singular e virou “Senhor”.
Ortodoxa - Por volta do século 4
É baseada na Septuaginta, mas também inclui livros considerados apócrifos por católicos e protestantes: Esdras 1, Macabeus 3 e 4 e o Salmo 151. A tradução é mais exata (nesta Bíblia, Moisés nunca teve chifres, um erro de tradução introduzido pela Bíblia latina), e os escritos não são levados ao pé da letra: para os ortodoxos, o que conta são as interpretações do texto bíblico, feitas por teólogos ao longo dos séculos.
Protestante - Século 16
Ao traduzir a Bíblia para o alemão, Martinho Lutero excluiu os livros Deuterocanônicos e mudou algumas coisas. Um exemplo é a palavra grega metanoia, que na Bíblia católica significa “fazer penitência” – uma referência à confissão dos pecados, um dos sacramentos católicos. Já Lutero traduziu metanoia como “reviravolta”. Para ele, confessar os pecados era inútil. O importante era transformar a vida pela fé.

Top 5 milagres

I. O maior de todos os milagres divinos foi o primeiro: a Criação do mundo, pelo poder da palavra. “E Deus disse: que haja luz. E houve luz” (Gênesis 1:3).
II. Para dar-lhe uma amostra de seus poderes, o Senhor leva Ezequiel a um campo cheio de esqueletos – e os traz de volta à vida. “O vento do Senhor soprou neles, e viveram” (Ezequiel, 37; 1-28).
III. Graças à benção divina, o herói Sansão tinha a força de muitos homens. Certa vez, foi atacado por um leão. “O espírito do Senhor deu-lhe poder, e Sansão destroçou a fera com as próprias mãos, como se matasse um cabrito” (Juízes 14:6).
IV. Josué liderava uma batalha contra os amalequitas, mas o Sol estava se pondo. Como não queria lutar no escuro, o hebreu pediu ajuda divina – e o Sol ficou no céu (Josué 10:13).
V. Para fugir do Egito, os hebreus precisavam atravessar o mar Vermelho. E não tinham navios. Moisés ergueu seu bastão e as águas do mar se dividiram. Após a passagem dos hebreus, o profeta deixou que as ondas se fechassem sobre os exércitos do faraó (Êxodo 14; 21-30).

Para saber mais

A Bíblia: Uma Biografia
Karen Armstrong, Jorge Zahar Editora, 2007.
Who Wrote the Bible?
Richard Elliott Friedman, HarperOne, 1997.